Bichos nossos, nossos bichos

Projecto AC is please to present Nuno de Campos' first solo exhibition in Portugal titled "Bichos Nossos, Nossos Bichos #1 (Animals Of Ours, Animals Within Us #1). In his previous bodies of work, Nuno de Campos focused on the implications (sociological, cultural and even ideological) of depicting a woman. In groups of paintings that present truncated women in realistic fashion, de Campos confronts a pictoric tradition with the contemporary look, aware of feminism and psychology.

In the series of drawings exhibited at Arte Contempo, new characters inhabit de Campos' work. This time animals replaced the women. However, the ideological strategy that sustains his thought remains: to confront pictoric traditions, this time XVIII and XIX century zoological illustrations, with ideological positions and psychoanalytic inclinations of Portugal in relationship to its former African colonies. In the imaginary world of Portugal, the former colonies are both a negative episode and the golden era. In the way we look at our past there is an enormous amount of romanticism, nostalgia and longing.

In Portugal, both the cultural and political discourses haven't been able to resolve this dilemma that exists within our imaginary world, and the issue remains a taboo. In the colonial discourse of the previous regime there we a constant affirmation of possession. "Angola is Ours!" ( Angola é Nossa!) sang the soldiers as they marched into ships.

Nuno de Campos analyzes this subject by presenting this group of wild animals that are domesticated through the drawing process. Only on paper can these animals be ours again. Only through memory can we sustain our past. In memory, and also on paper, all aggression and all reality fades to be replaced by a romantic construction and unreal of "our" past.

Filipa Oliveira (curator) January of 2005.

 

No âmbito do projecto ac#, Nuno de Campos apresenta a exposição <<Bichos Nossos, Nossos Bichos #1>>, a sua primeira exposição individual em Portugal.

No corpo de trabalhos anteriores, Nuno de Campos debruçou-se sobre as implicações (sociais, culturais, mesmo ideológicas) de retratar a mulher. Em conjuntos de trabalhos que apresentam mulheres truncadas, numa figuração hiper-realista, Nuno de Campos confronta a tradição da pintura figurativa com o olhar contemporâneo, conhecedor de teorias feministas e psico-analíticas sobre o corpo da mulher.

Na série de desenhos que expõe na Arte Contempo, Nuno de Campo apresenta-nos novas personagens a habitar os seus trabalhos. Desta vez, as mulheres são substituídas por animais. No entanto, a estratégia ideológica que sustenta todo o seu trabalho mantém-se a mesma. Confrontar tradições pictóricas, neste caso, ilustrações zoológicas segundo antigas gravuras do séc. XVIII e XIX, com as posições ideológicas e psicanalíticas de Portugal perante as suas ex-colónias.

As ex-colónias aparecem no imaginário português não como um episódio negativo na nossa história, mas como "os bons tempos". Há, no olhar sobre este passado, uma conotação romântica, uma nostalgia, e uma saudade profunda. O contexto português, quer artístico quer mesmo político, ainda não foi capaz de dissecar este imaginário, tendo este assunto assumido estatuto de tabu na nossa sociedade. Na nostalgia colonialista há uma constante necessidade de afirmação de posse: "Angola foi nossa", "quando Moçambique era nosso...".

Nuno de Campos analisa este sentimento ao apresentar um conjunto de animais selvagens que são domesticados através da sua apropriação em desenho. Apenas no papel, aqueles animais podem ser nossos. Apenas através da memoria podemos manter o passado. Nessa memória, e também no papel, toda a agressividade e toda a realidade desvanece para dar lugar a uma construção romântica e irrealista do "nosso" passado.

Filipa Oliveira (comissária) Janeiro de 2005.